quinta-feira, 19 de maio de 2011

SBPC deve assumir o debate dos grandes problemas brasileiros

Leia texto de Luiz Pinguelli Rosa, candidato à presidência da SBPC:

O grande desafio da ciência brasileira é avançar no conhecimento, posicionando-se na fronteira. Precisamos nos ombrear com o que está sendo feito no mundo inteiro, porque a ciência é internacionalizada. Ao mesmo tempo, essa produção de conhecimento precisa estar sintonizada com os interesses do país.

O Brasil tem uma dívida social imensa. Mesmo com o inegável avanço dos últimos anos, quando conseguimos retirar da pobreza extrema cerca de 30 milhões de brasileiros, há ainda muitos milhões de brasileiros em situação precária. Mesmo esses 30 milhões que saíram da pobreza estão em situação diferente daquela da grande classe média da região Sudeste, da região Sul.

De meu ponto de vista, portanto, a ciência tem de atentar para a questão de como avançar no conhecimento colocando-o ao mesmo tempo a serviço do país e, particularmente, de sua população mais pobre.

Hoje o Brasil está se especializando na produção de produtos primários. Exportamos soja, exportamos minério de ferro e alguns poucos produtos industrializados – aviões da Embraer, veículos automotores etc. Enquanto isso, países como a Coréia do Sul e principalmente a China, que estavam em situação igual ou pior que a do Brasil há poucas décadas, hoje estão se industrializando rapidamente, fabricando produtos de alto valor agregado com conteúdo tecnológico, formando muitos milhões de engenheiros.

Já o Brasil não seguiu esse caminho. Houve uma bifurcação histórica e que nós não conseguimos ainda resolver: como o Brasil pode passar a produzir bens de mais alto valor agregado, que exigem qualificação profissional melhor. Produzir bens desse tipo significa gerar empregos de alto nível e aumentar a renda da população.

Na última Reunião Anual da Academia Brasileira de Ciências, em maio último, nas exposições dos ministros Aloísio Mercadante, Fernando Haddad e do presidente da Capes, nosso colega acadêmico Jorge Guimarães, debatemos que há um déficit de engenheiros no Brasil. Na conta de engenheiros por mil habitantes, estamos muito atrás (como eu falei) da Coréia e da China, por exemplo.

Mas o problema não é só esse. É preciso cuidar da educação como um todo. O pior da educação é o nível fundamental. Entre aqueles que entram no primeiro ano do ensino fundamental – predominantemente público – e os que entram na universidade há um afunilamento terrível. Aí está uma das maiores injustiças do Brasil: o péssimo nível do ensino fundamental.

A meu ver a SBPC deve atuar em torno de três grandes eixos: a ciência – e junto dela a tecnologia e a inovação –, a educação e o meio ambiente, que sem dúvida nenhuma é um problema importantíssimo para o Brasil. Nosso país tem de equacionar a questão do meio ambiente e ao mesmo tempo retirar essa grande camada da população da extrema pobreza. Todos nós brasileiros merecemos o mesmo nível de vida. A SBPC tem que orientar esse debate.

Fui apresentado pelo Conselho como candidato e aceitei porque acho que se deve estimular o debate, ampliando o papel da SBPC nos grandes temas nacionais que estão colocados. Respeito a Helena Nader – presidente da SBPC desde fevereiro de 2011 e candidata a novo mandato – até mesmo porque ela veio da gestão do Marco Antônio Raupp, que me apoia e eu considero uma pessoa extremamente importante para a SBPC e com quem tenho grande identidade de pontos de vista. Mas acho que é necessário debater mais essas questões que apontei.

Participei muito das campanhas e atividades da SBPC na sua história. Fui secretário-geral da Sociedade Brasileira de Física por dois mandatos – um deles com o José Goldemberg [presidente da Sociedade Brasileira de Física de 1975 a 1979] e outro com o Mário Schenberg [1914-1990, presidente da Sociedade Brasileira de Física entre 1979 e 1981], Goldemberg presidiu depois a SBPC em um momento de intenso debate sobre o Acordo Nuclear com a Alemanha. Schenberg é considerado por muitos um dos fundadores da física teórica mais importantes do Brasil, e que foi inclusive personagem histórico da esquerda brasileira.

Vivi naquele tempo a transformação da SBPC – como também da Sociedade Brasileira de Física – na direção de assumir os grandes temas nacionais, que eram ligados basicamente à resistência à ditadura. É claro que os problemas hoje são outros, são mais diversificados. Há, por exemplo, o Código Florestal – tema sobre o qual a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências não poderiam ter deixado de se manifestar. Mas eu acho que se tem de ir muito mais adiante.

O grande problema do país não é mais a resistência a alguma coisa, mas sim a construção de um novo projeto de país. Avançamos muito, mas há ainda muitas questões em aberto, há muito que ser feito nas questões transversais, como ciência, tecnologia e inovação, educação e meio ambiente. Em síntese, penso que a SBPC deve assumir abertamente o debate dos grandes temas nacionais a partir dessas questões.

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